Pois é.
Quem dera fosse possível fazer um rascunho dos nossos dias
antes de vivê-los. Fazer um rascunho das nossas emoções antes de senti-las.
Fazer um rascunho das nossas palavras antes de jogá-las aos sete ventos sem
prever as consequências.
Mas não tem. E não sei se é justamente isso que faz a vida
ser bela, de certa forma. Bela e dolorida às vezes.
A impossibilidade de prever os dias que virão faz o nosso
futuro parecer o próximo verso de um poema que ainda não foi escrito, um
próximo livro de uma sequência que estamos ansiosos para concluir a leitura. Só
vamos saber o que se passará quando lermos o próximo verso, lermos o próximo
livro, viver mais um capítulo da vida. Só então descobriremos o sentimento que
virá por trás de uma determinada situação. Não há como prever, simplesmente. Só
há como viver, experimentar e sentir.
Esse ano é, sem dúvidas, o ano que eu descobri o que é sentir
orgulho de mim mesma. Sentir orgulho
pelas minhas realizações, sem depender da aprovação de um terceiro. É como se
enfim, eu conseguisse entender e viver o segundo mandamento bíblico: “...Amar ao próximo como a ti mesmo”. Eu que
cresci sob a doutrina evangélica durante toda minha vida, hoje vejo o poder
desse mandamento.
Nós, pelo menos eu, fomos criados (ou devo dizer
projetados?) de maneira a deixar de lado todo o orgulho, a procurar cuidar do
próximo, a abrir mão dos nossos desejos e vontades em várias situações em pró
do outro. Desenvolvemos uma enorme capacidade de “amar ao próximo” e não a nós
mesmos. Entendendo isso, eu consegui ver onde errei em várias coisas que fiz
durante a minha vida.
Os meus pais sempre vieram em primeiro lugar, o pastor,
os irmãos da igreja, os amigos, enquanto eu me anulava cada dia mais. Sempre
fui muito inteligente, esforçada, me destacava em quase tudo que fazia, mas
hoje vejo que na maioria das vezes foi para dar orgulho a alguém e principalmente
conseguir uma aprovação. Talvez se eu entendesse, antes de tudo, o conceito de
amar a mim tanto quanto amar o meu próximo, eu teria tido algumas atitudes muito
diferentes. E poderia ter evitado muita coisa na minha vida psicológica.
Como disse no início, no entanto, fazer um rascunho da nossa
vida é impossível. Não tem outro jeito senão viver, errar e no futuro poder
aprender com os erros. E com base nisso, repito, esse ano está sendo o ano em
que venho sentido o maior orgulho que já senti de mim.
Orgulho por ter voltado pra faculdade com toda a força do
mundo depois de ter enfrentando situações físicas e emocionais que não desejo a
ninguém. Orgulho por estar tirando minha carteira de carro sem ouvir a clássica
frase “Todo mundo sabe dirigir, por que você não sabe?”. Orgulho de voltar pra
academia e ter mais saúde e disposição física apenas pra mim. Orgulho por ter o
cachorro mais lindo do mundo e saber como cuidar. Orgulho. Orgulho de saber que
sou capaz de me gerenciar sem ninguém me impondo ordens. De conquistar coisas
que não seja por obrigação de mostrar aos outros.
Orgulho de ser honesta comigo mesma e assim
poder ser honesta com as pessoas que se aproximarem de mim.
Materialmente não tenho muito. Quase nada na verdade...
Mas psicologicamente, sentimentalmente eu posso dizer que ganhei demais.
Nesse momento, não consigo conter minhas lágrimas. É como se
um anjo suspirasse no meu ouvido: “Fabyola,
você é uma das pessoas mais fortes que existem nessa terra. Parabéns por cada
dia da sua vida, parabéns por reconstruir seus sonhos e estar trilhando o
caminho de encontro a eles. O caminho, como tem sido até agora, não vai ser
fácil. Mas com a maturidade que você adquiriu e vem adquirindo dia após dia,
você conseguirá trilhá-lo com mais sabedoria”.
Eu sei que tenho muita coisa pra aprender e ajustar em mim ainda.
Muita mesmo.
Uma delas é parar de fazer um mau juízo das pessoas sem
conhecê-las. Não é por causa de uma experiência ruim no passado, que tenho que
refletir nas pessoas que surgirem no meu caminho. E isso é uma falha em mim que
me propus a corrigir.
Outra é tentar ser flexível em situações onde precisar. Não
ser tão rígida como costumo ser - “Se não for do meu jeito, não serve”- e sim: “Se
não for da forma como planejei, haverá outras formas talvez até melhores”.
Preciso aprender a ter a “capacidade de me moldar a um recipiente, seja ele
qual for, tal qual o mercúrio”, usando as palavras de um amigo.
Acabei de me fazer uma pergunta: “Se eu pudesse prever o dia
de amanhã, como eu agiria diante de uma determinada situação?” E me respondi,
quase automaticamente: “Eu não gostaria de saber o que acontecerá amanhã...”.
A única coisa da qual tenho certeza é que fazemos, sem
saber, uma série de rascunhos o tempo todo. Rascunhamos nossas emoções, palavras,
experiências. Um rascunho da vida propriamente dita, não.
Mas são esses rascunhos que originarão um livro, o nosso
livro, no fim de tudo. E esse livro é a
nossa vida, feita de experiências vividas e não apenas planejadas. Feita de
emoções vividas e não contidas, de palavras concretas e não apenas pensadas. Feita de fatos concretos e reais e não apenas de meros rascunhos.
Fabyola Gleyce